Cayley e a Teoria das Matrizes
A disputa entre Newton e Libniz (ou, mais exatamente, entre seus
adeptos), em torno da primazia da criação do Cálculo, foi negativa para a
matemática inglesa, embora Newton tivesse levado vantagem na polêmica.
Considerando uma questão de honra nacional ser fiel ao sei mais eminente
cientista, nos 100 anos seguintes ao início desse episódio os
matemáticos britânicos fixaram-se nos métodos geométricos puros,
preferidos de Newton, em detrimento dos métodos analíticos, muito mais
produtivos. Como os matemáticos da Europa Continental exploraram
grandemente estes últimos métodos nesse período, a matemática britânica
acabou ficando bem para trás.
Mas acabou havendo
uma reação e a matemática britânica conseguiu voltar ao primeiro plano
no século XIX, especialmente em álgebra, um campo que de um modo geral
ficara algo marginalizado nesse meio tempo. E um dos maiores
responsáveis por essa reascensão foi Arthur Cayley (1821 – 1895).
Natural
de Richmond, Inglaterra, Cayley descendia de uma família que conciliava
talento e tradição. Desde muito cedo demonstrou grande aptidão para os
estudos. Diante disso, e atendendo a sugestões de alguns de seus
professores, os pais resolveram enviá-lo a estudar em Cambridge, em vez
de iniciá-lo aos negócios da família. Assim, em 1838, ingressa no
Trinity College, onde iria se graduar com distinção máxima. Logo em
seguida inicia-se no ensino, no próprio Trinity, mas desiste três anos
depois, pois sua permanência exigira abraçar a carreira religiosa, o que
não estava em seus planos.
Nos quinze anos
seguintes dedicou-se à advocacia, mas com certeza não integralmente,
como o mostram os mais de duzentos artigos que publicou no período, na
área de matemática. Foi também nessa época que conheceu James Joseph
Sylvester (1814 – 1897), outro dos grandes expoentes da “álgebra
britânica” do século XIX, com quem estabeleceu sólida amizade,
consolidada até por áreas de pesquisas comuns, como a teoria dos
invariantes. Em 1863 aceita convite para ocupar uma nova cadeira de
matemática pura criada em Cambridge, à testa da qual ficou até a morte
(salvo um semestre de 1882, em que deu cursos nos Estados Unidos).
Em
volume de produção matemática, em todos os tempos, Cayley talvez só
seja superado por Euler e Cauchy. E, embora sua obra seja bastante
diversificada, foi no campo da álgebra, com grande facilidade que tinha
para formulações abstratas, que mais se sobressaiu. Assim, por exemplo,
deve-se a ele, num artigo de 1854, a noção de grupo abstrato. Galois que, que introduzira o termo grupo
em 1830, com o sentido atual, só considerara grupos de permutações.
Outra contribuição importante da Cayley, iniciada em 1843, é a geometria
analítica n-dimensional em cuja elaboração utiliza determinantes e coordenadas homogêneas como instrumentos essenciais.
O início da teoria das matrizes remonta a um artigo de Cayley em 1855. Diga-se de passagem, porém, que o termo matriz
já fora usado, com o mesmo sentido, cinco anos antes por Sylvester.
Nesse artigo Cayley fez questão de salientar que, embora logicamente a
ideia de matriz preceda a de determinante, historicamente ocorreu o
contrário: de fato, os determinantes já eram usados há muito na
resolução de sistemas lineares. Quanto às matrizes, Cayley introduziu-as
para simplificar a notação de uma transformação linear. Assim, em lugar
de:
A
observação do efeito de duas transformações sucessivas surgiu-lhe a
definição de produto de matrizes. Daí chegou à ideia de inversa de uma
matriz, o que obviamente pressupõe a de elemento neutro (no caso, a
matriz idêntica). Curiosamente foi só num outro artigo, três anos
depois, que Cayley introduziu o conceito de adição de matrizes e o de
multiplicação de matrizes por escalares, chamando inclusive a atenção
para as propriedades algébricas dessas operações.
Ao
desenvolver a teoria das matrizes, como outros assuntos, a grande
preocupação de Cayley era a forma e a estrutura em álgebra. O século XIX
se encarregaria de encontrar inúmeras aplicações para suas matrizes.
Texto de : Hygino H. Domingues
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