domingo, 12 de novembro de 2023

lei 3999/61

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR): Trata-se de recurso extraordinário interposto em face de acórdão da Quarta Turma do TRF da 5ª Região, assim ementado (eDOC 8, p. 5):

    “ADMINISTRATIVO. REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SELEÇÃO PÚBLICA PARA CONTRATAÇÃO DE DENTISTA. FIXAÇÃO DE REMUNERAÇÃO PELO MUNICÍPIO. POSSIBILIDADE. PISO SALARIAL. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL 3.999/61. DESCABIMENTO. PRECEDENTE. PROVIMENTO.

    1. Remessa necessária de sentença que julgou procedente a demanda para determinar que o município de Gravatá/PE promova a retificação de edital de seleção pública simplificada n.º 001/2019 para contratação de dentista, adequando a remuneração ao que determina a Lei n.º 3.999/1961 e que proceda a reabertura dos prazos de inscrição para o referido cargo, bem como para condenar o município ao pagamento de honorários advocatícios fixados em R$ 5.000,00, nos termos do art. 85, § 8º do CPC.

    2. Hipótese em que não se poderia pretender aplicar as disposições contidas na Lei nº 3.999/61 à situação de que ora se cuida, na medida em que esses preceitos legais não se dirigem especificamente às pessoas jurídicas de direito público (entes públicos empregadores), sabido que estas têm competência legislativa autônoma para fixar a remuneração de seu pessoal.

    3. Esta Turma, em composição ampliada (Processo n.º 0806096-24.2018.4.05.8202, Rel. Desembargador Federal Manoel Erhardt, em 27.07.2020), consagrou o entendimento no sentido de que o município tem autonomia orçamentária para estabelecer a remuneração dos servidores que pretende selecionar por meio de concurso público, não podendo, pois, ser compelido a remunerar seus servidores em proporção maior do que aquela que consta dos seus atos privativos.

    4. A pretensão do conselho demandante obstaculiza a contratação de profissionais de saúde (dentistas) que prestam serviço essencial à comunidade.

    5. Remessa necessária provida para julgar improcedente a demanda.”

    Nas razões recursais, sustenta-se que, ao afastar a aplicação do piso salarial disposto na Lei Federal 3.999/1961, o acórdão feriu o artigo 22, XVI, da Constituição Federal, fazendo prevalecer regramento municipal em confronto legislação da União.

    Alega-se ainda que a União possui a competência legal para dispor regras gerais e estabelecer limites mínimos para organização do sistema de emprego.

    O Tribunal de origem admitiu o recurso por reputar preenchidos os requisitos de admissibilidade.

    A Procuradoria-Geral da República opinou pelo provimento do recurso extraordinário, em parecer com a seguinte ementa (ID: 6af1098a):

    “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO CONSELHO REGIONAL DE ODONTOLOGIA. CONCURSO PÚBLICO MUNICIPAL. CIRURGIÃO-DENTISTA. REMUNERAÇÃO. ADEQUAÇÃO AOS DITAMES DA LEI Nº 3.999/61. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. DECISÃO REFORMADA PELO TRF/5ª REGIÃO, EM SEDE DE REMESSA NECESSÁRIA. RE DO CRO/PE ALEGANDO VIOLAÇÃO AO ART. 22, XVI DA CF. PROCEDÊNCIA DAS ALEGAÇÕES. ACÓRDÃO RECORRIDO EM MANIFESTA CONTRARIEDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO STF. PRECEDENTES. PARECER PELO PROVIMENTO DO RECURSO PARA RESTABELECER A SENTENÇA ORIGINÁRIA.”

    É o relatório.

    Submeto a matéria aos meus pares, em sede de Plenário Virtual, a fim de que seja analisada a existência de repercussão geral no caso em análise.

    De início, ressalto que foram devidamente observados os requisitos de admissibilidade do presente recurso extraordinário. A matéria constitucional está devidamente prequestionada e a solução da controvérsia prescinde de interpretação da legislação ordinária e revolvimento da matéria fático-probatória.

    A controvérsia em tela consiste em definir se é obrigatória a observância do piso salarial da categoria profissional, estabelecido por lei federal, inclusive em relação aos servidores públicos municipais, ante a competência da união prevista no art. 22, XVI, da Constituição federal.

    O Tribunal de origem assentou a impossibilidade de impor ao Município o piso salarial estabelecido na Lei Federal nº 3.999/61, pois a fixação dos vencimentos do servidor público estatutário é matéria de natureza administrativa que afeta a própria autonomia do ente federal.

    A parte ora recorrente sustenta, em síntese, que a Lei Federal 3.361/1961, que estabeleceu o piso salarial para médicos e cirurgiões dentistas, deve ser observada por todos os entes federativos, aplicando-se, portanto, aos servidores municipais. 

    A matéria deve ser analisada à luz das normas constitucionais referentes ao pacto federativo e à separação de poderes, à autonomia municipal, ao regime jurídico e remuneração dos servidores municipais, bem como o impacto econômico não previsto em lei orçamentária.

    Nesse sentido, torna-se patente que a controvérsia apresenta relevância nas dimensões jurídica, política, econômica e social da repercussão geral. Por certo, também aqui não ocorre limitação aos interesses jurídicos das partes, porquanto a discussão é de interesse dos demais Municípios, dos Estados e do Distrito Federal, além de refletir na remuneração de inúmeros servidores públicos estaduais e municipais. Ademais, o que for decidido terá inevitável repercussão nas finanças públicas municipais.

    Registre-se, ainda, que o Tribunal Pleno reconheceu a repercussão geral de controvérsia similar, embora mais específica, isto é, aplicação do piso salarial nacional dos Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate às Endemias aos servidores estatutários dos entes subnacionais e o alcance da expressão piso salarial. Trata-se do Tema 1132, cujo recurso paradigma é o RE-RG 1.279.765., de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes.

    A respeito do mérito da questão sub judice, ressalto que o Ministro Ricardo Lewandowski, no julgamento do RE 1.340.676, DJe de 04.11.2021, consignou que “a Lei Federal 3.361/1961, que estabeleceu o piso salarial de acordo com jornada de 20 horas de trabalho para médicos e cirurgiões dentistas, deve ser observada por todos os entes federativos, aplicando-se, portanto, aos servidores municipais”. Seguindo essa orientação, destaco, ainda, o RE 1.407.713, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 18.11.2022.

    Por outro lado, necessário destacar que, em caso semelhante, a Primeira Turma desta Corte, ao apreciar o RE 1.361.341-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe de 09.08.2022, considerou ser indevida a imposição do piso nacional, previsto na legislação federal, aos servidores municipais regidos pelo regime estatutário. Leia-se a ementa do julgado:

    "Agravo regimental em recurso extraordinário. Constitucional e Administrativo. Ação civil pública. Concurso público municipal. Cirurgião-dentista. Remuneração inicial do cargo prevista no edital. Vinculação de vencimentos de servidores municipais a piso salarial profissional. Impossibilidade. Precedentes. 1. É pacífico na Suprema Corte o ‘não cabimento de qualquer espécie de vinculação da remuneração de servidores públicos, repelindo, assim, a vinculação da remuneração de servidores do Estado a fatores alheios à sua vontade e ao seu controle; seja às variações de índices de correção editados pela União; seja aos pisos salariais profissionais’, conforme consignado pelo Plenário do STF no acórdão da ADI nº 668/AL, de minha relatoria. 2. Agravo regimental não provido, com imposição de multa de 1% (um por cento) do valor atualizado da causa (art. 1.021, § 4º, do CPC). 3. Inaplicável o art. 85, § 11, do CPC, haja vista tratar-se, na origem, de ação civil pública (art. 18 da Lei nº 7.347/85)."

    No mesmo sentido, menciona as seguintes decisões monocráticas: RE 1.423.494, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 22/03/2023; RE 1.415.806, Rel. Min. Nunes Marques, DJe de 16/02/2023.

    Nesse contexto, é certo que a vexata quaestio transcende os limites subjetivos da causa, porquanto o tema em apreço sobressai do ponto de vista constitucional, especialmente em razão da necessidade de se conferir estabilidade aos pronunciamentos desta Corte e, mediante a sistemática da repercussão geral, garantir aplicação uniforme da Constituição Federal com previsibilidade para os jurisdicionados.

    Sendo assim, sem qualquer antecipação de juízo de mérito, compreendo prudente e submeto aos pares a proposta de exame da questão, de modo a emitir decisão plenária com definitividade sobre o tema.

    Ante o exposto, manifesto-me pela existência de repercussão geral da questão constitucional aqui exposta.

    Submeto, portanto, esta questão à apreciação dos demais Ministros integrantes desta Corte, nos termos dos arts. 322, parágrafo único, e 324 do RISTF.

    É como me manifesto.

https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verPronunciamento.asp?pronunciamento=10333591

 

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